Lisboa continua a concentrar muito da vida cultural que acontece no país e os teatros são um bom exemplo disso. Há quanto tempo não vais ao teatro?
Hoje deixo-te algumas sugestões de peças e espetáculos que tive oportunidade de ver em 2021.
1) Chicago – finalmente consegui estar em Lisboa para assistir a um espetáculo musical Chicago, no Teatro da Trindade! Está na 3.ª temporada, já teve mais de 197 representações e mais de 65 mil espetadores e eu sem estar na capital para assistir. Fiquei super feliz por saber que nas minhas férias ia ter esta oportunidade e convidei o Mário Rui Freitas, um grande amigo e a Lígia Vitorino, uma amiga e colega de Vialonga de quem gosto muito.
E apesar de eu estar com as expetativas muito elevadas foi muito melhor do que eu esperava! Os figurinos, os cenários e as músicas são excelentes e adorei, adorei, adorei a interpretação da Vanessa Silva! Que voz, que presença em palco fenomenal! Maravilhoso mesmo! Se ainda não foste recomendo vivamente!
2) Perfeitos desconhecidos – uma peça no Teatro Maria Matos com o texto de Paolo Genovese e os atores e atrizes Ana Guiomar, Cláudia Semedo, Filipe Vargas, Jorge Mourato, Martinho Silva, Samuel Alves e Sara Barradas.
Começa a peça com um jantar simples entre amigos e as complicações surgem quando percebemos que todos temos uma vida secreta. Um texto brilhante, com atuações fabulosas que nos fazem pensar sobre a importância de um telemóvel e como um aparelho eletrónico pode (ou não) mostrar as nossas intimidades e despir-nos até a alma. É de ficar agarrado à cadeira e refletir sobre o que guardamos nas plataformas digitais que usamos diariamente e a coerência que existe na nossa vida. Recomendo muito esta peça e enquanto a via sozinha só pensava na quantidade de “murros no estômago” que os espectadores levam (inclusive eu)!
3) O elogio da Loucura – um texto de Erasmo de Roterdão levou a uma encenação de Hélder Mateus da Costa e Maria do Céu Guerra, no Teatro da Barraca.
Gosto muito deste teatro e em especial desta atriz. Vê-la ao vivo é um privilégio que gosto de ter! Não tenho assim explicações científicas ou teatrais. Não é isso que encontras neste blogue. Gosto muito do trabalho dela em televisão, cinema e sobretudo no palco do teatro, onde acho que é mais feliz. Gosto da sua garra enquanto mulher e atriz. Gosto mesmo muito.
Por isso, quando o Pascal me falou desta peça, combinámos logo ir juntos. Ele que está a escrever uns livros para a família, em especial para os netos e andava a reler textos de Erasmo e eu que via uma das minhas atrizes preferidas.
Nesta peça tens momentos divertidos, momentos de encanto com a simplicidade da dança e das músicas e outros ainda que te levam a uma reflexão mais profunda sobre a sociedade, a loucura, a fé, a educação e até o amor.
Aconselho a leitura dos os textos dos encenadores:
A Loucura
Fala da Loucura a Erasmo de Roterdão
Mestre Erasmo, tenho andado atrás de si desde que começou a escrever sobre mim aquilo que disse que ia ser o meu Elogio. Gostei agora deste Elogio à Lucrécia Bórgia porque me sinto perto dela no seu amor à Liberdade e porque nos parecemos na nossa determinação de sermos felizes e generosas. Aí sim, vi um raro apreço. Mas no meu elogio onde é que ele está?Não sei muitas vezes se me está a elogiar ou a criticar… Mestre Erasmo eu ia enlouquecendo a decifrar a sua obra. Tão verdadeira e tão divertida.
Mas ninguém consegue dizer o que é a Loucura.
Pode ser uma doença – insanidade – e essa, o senhor sabe, não merece crítica nem elogio, tem merecido tratamentos, remédios, pancada, mangueiradas frias e tantas vezes a tremenda nave perdida no alto mar até que as ondas nos separem do mundo dos sãos e salvos…
Há outra loucura de que já vos falei, herdeira de meu pai, que tem trazido aos países e às igrejas quase todos os males de que eles padecem. Essa é uma espécie de loucura negra. De ganância. Mais crime do que loucura. Ou será a Loucura que se transforma em crime?
Ninguém consegue dizer o que é a Loucura. Nem os médicos. Nem os Santos.
Mas os pecados não são loucura, são pecados, Mestre Erasmo.Comer como um abade até rebentar, fornicar como um bispo até morrer, esconder o dinheiro até o perder, a inveja, a ira, a soberba, nada disso é loucura. Ganhar a vida a louvar a santa igreja, a invocar a lei e fazer tudo o que elas proíbem, é Loucura?
Quantos loucos estarão no inferno? Nem um. E quantos papas? Tantos. E quantos juízes? Tantos… Quantos? E quantos ricos e quantos reis… Todos.
A Loucura está mais perto do céu do que todos eles…
Ninguém consegue dizer o que é a Loucura:
Maria do Céu Guerra
Loucura é dar o que se tem sem ver a quem, como Quixote, é destapar o traseiro do rei que não vai nu sem medo de perder a língua ou a vida. Loucura é criar beleza e utopia no meio do caos e do medo. Loucura é amar demais e morrer na cruz, como Jesus…
ERASMO
Um construtor da Europa
Erasmo era cristão, mas sabia ver as falhas que existiam no fanatismo religioso, na opressão da igreja católica e o seu mundo de corrupção de que foi um ponto alto e inconcebível a invenção das Indulgências! Uns papéis que eram vendidos para absolver dos pecados quando chegasse o Juízo Final! Ele denunciou essa prática que depois Lutero imitou e deu origem à cisão Protestante.Claro que este teólogo e pensador criticava também muitos comportamentos e pensamentos da sociedade, não só do seu tempo, mas de abrangência Universal e atemporal. E como verdadeiro homem do Renascimento, construiu um humanismo de raiz cristã unindo a sabedoria da Antiguidade com a ética do Cristianismo que combatia a hipocrisia de cristãos que cometiam erros e diziam que a culpa era do Diabo!
Este novo homem do Renascimento tinha confiança em si próprio, conquistada com uma luta que o transformou no grande instrumento da sua época, livre de ter como único socorro a graça divina. Fugia do medo e do pessimismo e olhava o futuro com optimismo confiando na sua acção, no seu livre-arbítrio. E como não era fanático, compreendeu sempre que um ateu é preferível a um falso cristão, como já disse o Papa Francisco.
Foi o “homem Europeu”, cidadão do mundo que espalhou a sua mensagem pela Flandres, onde nasceu, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Suíça, onde terminou os seus dias também fugindo à Inquisição.
Entre as muitas amizades que criou é de realçar Thomas More, autor de “Utopia” e a quem ele dedicou a obra-prima “O Elogio da Loucura”, cuja agudeza satírica e coragem continuam a ser um bálsamo para os nossos tempos.
Hélder Mateus da Costa
Talvez fosse de começarmos a pensar num Neo-Renascimento.
Podes encontrar mais informações sobre a peça aqui.
4) Separados de Fresco – um espetáculo com a autoria de Ana Garcia Martins e David Cristina que resulta de um podcast que os dois dinamizaram durante alguns meses. Expõem as fragilidades da vida em casal com um toque humorístico e sarcásticooooooo enorme. É impossível que não olhemos para o nosso umbigo e façamos uma reflexão sobre a forma como nos relacionamos com a(s) nossa(s) caras-metade da vida 🤣🤣🤣🤣🤣.
Encheram a Aula Magna e umas quantas salas de espetáculo pelo centro e norte do país e se perdeste todos os espetáculos, podes ainda ouvi-los na plataforma do Spotify [+] ou se preferires podes ler o livro deles [+]
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